QUEM DORME NA AVENIDA NÃO FAZ BRIGA DE TRAVESSEIRO
Bendita é a pessoa
Que dorme na rua
Debaixo do toldo
Usa o rodapé
Como cama
Com mucama
Como mucama
O saco de lata
Como travesseiro
Amassadas, atravessadas
Coca-colas, bhramas, antárticas...
E atlântidas afundadas no sonho de quem
Dorme ao relento da cidade,
Que trata a pedra polida de berço
Que consegue dormir com fome,
De quem não come e não se esquece, porque não dá.
Cata-lata nada ecóloga
Talvez nem saiba quantas
São as vogais
Os trambiques
As poesias
Os planos
Bendita é, a resistente,
Que não conta as horas pela programação da TV de cada dia.
Pão é uma promessa
Da bíblia
De Brasília
Do banco em / im prestável
Bendito é o ouvido de quem dorme ao grunhir
De ratos, de latas, de carros, passos, risos, conversas.
Bendito seja o sonho
Sem plim plim
Sem fashion week
Bendito seja o amanhã
A manhã
A manha
O despertar de quem sofre
E bendita seja a visão do coração,
De quem passa e finge que olha
Vai para casa e aperta o botão,
Pra saber o que vai comprar amanhã.
Reciclados sejam os corações de lata, para que daqui para frente os sonhos não mais machuquem os que dormem de tanto trabalhar.
Tiago.